sexta-feira, 21 de abril de 2017

Joana Pereira Lima:“ Dei vida pela vida”

                     
Joana Pereira Lima veio ao mundo para extrair da força dos braços a vida. Em Outubro de 2016, a chefe de parteira, lendária do município de São Salvador do Mundo, completou 80 anos de idade. Há apenas cinco anos deixou o trabalho de parteira. A vida de Dona Joaninha, como é conhecida, não teve sossego um só dia, enquanto velhice era futuro distante. Mas nos últimos anos Dona Joaninha  os dias nascerem entre os espaços de algumas telhas, as frestas da janela da sala e a porta, quando aberta.



“Não dormia um sono”. Chegava em casa, tomava banho e partia rumo às contracções do útero, onde quer que elas estivessem e não importava como chegaria. Em virtude dessas andanças, herdou da disposição e da coragem juvenil algumas quedas. Amargava também problemas nas articulações e algumas dores de cabeça.

 Às vezes, as mulheres chegavam a sua porta e nem dava tempo de ir ao hospital e ali decorria o parto. Mas tantos tombos e cansaço, eram recompensados quando no peito de suas mãos batia um coração feito de “pequeneza”, como é o corpinho de um recém-nascido.


Nascida em 1936 na cidade da Praia, pelo cruzamento de Joaquim Furtado de Lima e Maria da Conceição Pereira. Dona Joaninha – morena baixinha – foi obrigada a viajar até a pequena comunidade de S. Salvador do Mundo pois as aventuras na Cidade representava alto risco à sua moçindade. É a mais velha dos cinco irmãos. Desses apenas uma irmã está respirando o ar puro da nossa mãe natureza, para ajudá-la a viajar no tempo e delinhar os traços da vida de Dona Joaninha. Uma história de plena simplicidade e sabedoria.


Quem tem a luz própria sempre brilhará independentemente do lugar ou ocasião, “eu era muito respeitada pela comunidade médica e não só, mas também muito invejada por muitas, as quais a Nossa Senhora do bom parto não atribuíram o mesmo dom”. O ofício do parto, por incrível que pareça, não foi ensinado pela mãe, que também era chefe de parteira e dizia antes de morrer que não queria ver a filha seguir os passos de suas mãos. 


Aos 17 anos e 3 dias de casada, Dona Joaninha fez o primeiro parto de um número que sequer a lucidez das lembranças permitia contar com exactidão, Mas se recordava bem do dia em que chegou uma mulher a sua casa passando mal. Estava prestes a dar a luz. “Quem me conduziu (no parto) não era desta terra”, falava com naturalidade.


Da vida reclama, além das dores da idade, a crueza do esquecimento: “Eu pensei que quando adoecesse, eu seria acolhida, já que cuidei do mundo. Esqueceram-se de mim, ainda que tenho feito parte de um momento marcante da vida de muitas pessoas”.

Edneise Monteiro

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