Joana Pereira Lima veio ao mundo para
extrair da força dos braços a vida. Em Outubro de 2016, a chefe de
parteira, lendária do município de São Salvador do Mundo, completou 80
anos de idade. Há apenas cinco anos deixou o trabalho de parteira. A vida de
Dona Joaninha, como é conhecida, não teve sossego um só dia, enquanto velhice
era futuro distante. Mas nos últimos anos Dona Joaninha vê os dias nascerem
entre os espaços de algumas telhas, as frestas da janela da sala e a porta,
quando aberta.
“Não dormia um sono”. Chegava em casa,
tomava banho e partia rumo às contracções do útero, onde quer que elas
estivessem e não importava como chegaria. Em virtude dessas andanças, herdou da
disposição e da coragem juvenil algumas quedas. Amargava também problemas nas
articulações e algumas dores de cabeça.
Às vezes, as mulheres chegavam a sua
porta e nem dava tempo de ir ao hospital e ali decorria o parto. Mas tantos
tombos e cansaço, eram recompensados quando no peito de suas mãos batia um
coração feito de “pequeneza”, como é o corpinho de um recém-nascido.
Nascida em 1936 na cidade
da Praia, pelo cruzamento de Joaquim Furtado de Lima e Maria da Conceição Pereira.
Dona Joaninha – morena baixinha – foi obrigada a viajar até a pequena
comunidade de S. Salvador do Mundo pois as aventuras na Cidade representava
alto risco à sua moçindade. É a mais velha dos cinco irmãos. Desses apenas uma
irmã está respirando o ar puro da nossa mãe natureza, para ajudá-la a viajar no
tempo e delinhar os traços da vida de Dona Joaninha. Uma história de plena
simplicidade e sabedoria.
Quem tem a luz própria sempre
brilhará independentemente do lugar ou ocasião, “eu era muito respeitada pela
comunidade médica e não só, mas também muito invejada por muitas, as quais a
Nossa Senhora do bom parto não atribuíram o mesmo dom”. O ofício do parto, por incrível que pareça, não foi
ensinado pela mãe, que também era chefe de parteira e dizia antes de morrer que
não queria ver a filha seguir os passos de suas mãos.
Aos 17 anos e 3 dias de
casada, Dona Joaninha fez o primeiro parto de um número que sequer a lucidez
das lembranças permitia contar com exactidão, Mas se recordava bem do dia em que
chegou uma mulher a sua casa passando mal. Estava prestes a dar a luz. “Quem me
conduziu (no parto) não era desta terra”, falava com naturalidade.
Da vida reclama, além das
dores da idade, a crueza do esquecimento: “Eu pensei que quando adoecesse, eu
seria acolhida, já que cuidei do mundo. Esqueceram-se de mim, ainda que tenho
feito parte de um momento marcante da vida de muitas pessoas”.
Edneise Monteiro
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